domingo, 25 de janeiro de 2009

UFANISMO E CENTENÁRIO DA UFAM

Luiz de Oliveira Carvalho

Resumo

O texto que agora publicamos on line é o primeiro que se produzem com o propósito de divulgar os princípios, os objetivos, as metas e o programa de gestão universitária da UFAM, cujo candidato é Professor Doutor Sylvio Puga. Aqui, lançamos as sementes de uma campanha de alto nível visando qualificar o debate sobre o conteúdo programático da Chapa "a UFAM que nós queremos".

Reina uma confusão conceitual nos meios universitários e culturais no Amazonas. Ah! Que pena. No templo em que o conhecimento e saber são produzidos, engendram-se também sofismas e caixas de Pandora cognoscitivas. Na Academia em que é cinzelado o ofício dos comunicadores sociais, a informação e comunicação dos fatos são envenenadas por um ofício estranho ao papel de Hermes. No Panteão greco-romano, Hermes ou Mercúrio é o deus do comércio ou das comunicações. No altar de Hermes, a realidade é, então, sacrificada por motivos e interesses politicamente e moralmente estranhos. Sacrificada também por motivos e interesses incompatíveis com a decência intelectual e acadêmica.
Trata-se, de fato, das comemorações – efetuadas pela gestão atual – do centenário de existência da UFAM. Não poderia tratar-se de uma divulgação do centenário de um processo cultural e acadêmico que resultou na criação de uma Universidade no Amazonas? Todo o problema está cristalizado no uso indiscriminado da preposição de contraída com o artigo definido a. Trata-se, de fato, de um problema de linguagem? Sem dúvida, sim. Trata-se, igualmente, de um problema gramatical que envolve a tarefa de informar e comunicar em Língua Portuguesa vernácula.
Wittgenstein, filósofo austríaco contemporâneo, acusou – no século passado – a filosofia de seu tempo de só comunicar sem sentido em razão do perfil da linguagem usada. Nesse sentido, vem ocorrendo – com relação às comemorações que a gestão atual da UFAM decidiu realizar – um verdadeiro non senso lingüístico. Um jogo de palavras vazias do tipo denunciado por Wittgenstein.
Afinal, a UFAM já é mesmo uma vecchia signora? Ela é mesmo esta tão badalada e festejada instituição centenária? De que se trata enfim?

Trata-se, primeiramente, de uma questão conceitual. Que conceito de Universidade está sendo posto a serviço desta propaganda ufanista da UFAM e apologética da gestão atual da instituição? Pergunto então. Onde estão os filósofos de plantão acadêmico?
Na ausência deles, credencio-me intelectualmente a representá-los. Em síntese, há dois sentidos que constituem o conceito de Universidade. Um deles tem caráter nitidamente cultural. É semanticamente amplo e abstrato. Este sentido corresponde ao perfil das academias gregas. Estas configuram um centro cultural e intelectual cuja função essencial era a de produzir criticamente o conhecimento e saber.
Epa! Não estou identificando a UFAM com estas organizações virtuosas da civilização grega. Imagino que os centenaristas não tenham também esta intenção. Nem podem tê-la. Seria risível. A UFAM não é, de fato, uma academia nos moldes das organizações acadêmicas e filosóficas gregas.
Pra começar, elas eram financiadas em regime de fundação. Seu custeio era coberto pelo erário público em alguns casos ou por doações familiares em outros casos. UNISOL à parte, a UFAM é uma autarquia. Seu custeio é garantido pela União. Constitucionalmente, cabe, pois, ao Governo Federal cumprir o conceito constitucional que define o regime de manutenção das Instituições Federais de Ensino Superior – IFES.
Quanto à organização do saber e à divisão técnica da produção do conhecimento, as Academias gregas eram visivelmente filosóficas. Eram filosóficas quanto às limitações impostas à efetividade cognoscitivas. Ou seja, elas impunham aos seus membros um regime dialético de produção e comunicação de conhecimento e saber como artigos críticos. Na UFAM, a filosofia representa decepcionantemente uma lanterninha cognoscitiva cuja fonte parece estar em vias de tornar-se um corpo negro.
No âmbito da astrofísica e física teórica, “corpo negro” é uma expressão usada para designar corpos celestes que não emitem mais nenhuma luz ou calor. Porque eles perderam para sempre a sua fonte emissora de luz e calor.
Tomara esta situação reverta. Seria triste e amargo constatar que a pioneira das sabedorias humanas fora jogada no lixão cultural. Seria mesmo aterrorizante constatar – à semelhança dos buracos negros do Universo – o apagão absoluto daquela que já fora a rainha das luzes.
Ainda no âmbito da astrofísica e física teórica, “buracos negros” é uma expressão usada para designar um possível local do Universo para onde os corpos frios, isto é, os corpos celestes que perderam a sua capacidade de emitir luz e calor, são atraídos. É como uma espécie de repositório que guarda - como um depositário fiel - todos os corpos celestes que não tem mais poder de emissão de energia, luz e calor.
O outro sentido do conceito de Universidade tem um caráter jurídico-institucional. Neste ponto, invoco os acadêmicos da área jurídica para fazer frente à questão em pauta. Atrevo-me autodidaticamente a mencionar alguns aspectos conceituais e históricos da criação da UFAM e sua institucionalização jurídico-estatutária. Provoco ainda os historiadores da Amazônia para reconstituírem os fatos em suas dimensões científicas prováveis.
Não obstante, ligar a UFAM diretamente à “Escola Universitária Livre de Manaus” representa, perigosamente, um salto jurídico-institucional no abismo. Não tem nada a ver. A não ser um frouxo laço de natureza cultural. Aquele centro de excelência era inspirado essencialmente pelos ideais de sua época, consignados como sendo literários, jurídicos e políticos.
A UFAM não. Seu estatuto é luminoso. Sua missão é explícita. Sua natureza é excelentemente amazônica. Organizacionalmente, a UFAM é filha de uma reforma do ensino superior no Brasil. Quando os movimentos estudantis foram reprimidos e debelados em 1968 pelo regime militar que se havia implantado no poder, o Governo militar fez e desfez. Mandou fechar faculdades. Extinguiu-as. Ordenou a prisão de diretores e professores.

A Faculdade de Filosofia Ciências e Letras – FFCL é um desses exemplos fartos Brasil adentro. Seu diretor, à época, foi inclusive levado a IPM.
O Governo militar promoveu, então, levado pela força dos acontecimentos mundiais e nacionais, a reorganizar as IES no Brasil. Orientados por dois princípios e diretrizes de institucionalização universitária, os agentes do regime militar mandaram ver. È certo que houve alguns debates sobre os rumos dessa reforma universitária. Além disso, essas discussões foram efetuadas a posteriori e cuja intenção era a de viabilizar o êxito dessa Reforma Universitária.
Ela foi, pois, implementada com base primeiro no princípio da federalização do Ensino Superior. O Governo militar tomou para si o encargo de custear a educação universitária. Fez constar ainda – pela Reforma Constitucional de 1969 – a obrigação da União de manter as IFES e financiá-las. Raras exceções, incluindo a USP, a regra geral passou a ser, no Brasil, a da responsabilidade federal com ensino e aprendizagem universitários. A diretriz político-ideológica que orientou a criação do Campus Universitário foi, todavia, o do isolamento político e social da comuidade acadêmica. A intenção dos dirigentes foi a de exilar a comunidade acadêmica de toda a interação com os setores constitutivos da sociedade em geral. Nesse sentido, a semelhança dos campi universitários norte-americanas, foi iniciado o processo de transferência de todas as unidades acadêmico-administrativas para o Campus Universitário. Tudo foi feito no sentido da neutralização da ação
política universitária e do engajamento sócio-ideológico das comunidades estudantis.
No Brasil, as IES tinham naturezas jurídico-institucionais municipais, estaduais e nacionais. Durante a vigência do regime militar, houve um aumento da demanda por união e federalização do ensino superior que foi imediatamente atendida pelo Governo militar.
No Amazonas, havia um mix de instituições culturais e de ensino superior. A história da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras – FFCL é exemplar deste contexto histórico de educação universitária no país. Inspirada por ideais acadêmicos, científicos e filosóficos, a demanda por ensino superior no Amazonas se fez forte. Liderado por figuras insignes como a do Cônego Walter Nogueira, a do Senador Arthur Virgílio Filho e outros, o projeto de criação da FFCL foi aprovado pelo MEC durante a gestão do Presidente João Goulart.
Todavia, a gestão, a administração e o custeio desta IES ficaram ao encargo do Governo estadual na gestão do Governador Gilberto Mestrinho.
Autorizada a funcionar, pois, em regime estadual, ela foi extinta em 1971, substituída pela criação da Faculdade de Educação – FACED e seus cursos foram alocados curricularmente em Institutos de Ensino Superior recém criados. Assim, o laço entre a FFCL e a EULM é, a rigor, bem tênue. Nada mais que uma menção politicamente inspirada. Um ideal romântico talvez. Custa reconhecer tudo isso? Há quem prefira não ler certas páginas da história.
Jurídico-institucionalmente, os percursos que essas duas entidades culturais e educacionais percorreram são bem diversos. Conceitualmente, não tem nada a ver entre si.
Mais ainda, ligar diretamente a EULM e seu modelo organizacional ao processo político e institucional de criação da UFAM é implantar uma camisa de força conceitual que fere as regras lógicas que presidem a análise dos fatos e a compreensão fundamentada dos conceitos que a explicitam. Nesses termos, o lançamento dessa campanha propagandística de “Centenário da UFAM” nos meios de comunicação públicos, sem a devida caução conceitual e lingüística, constitui um atentado contra os preceitos filosóficos, científicos e hermenêuticos de legitimação do discurso consistente e da linguagem vernácula. Cheira a goebellismo. Goebells foi o mentor intelectual do nazi-fascismo. É tido como o criador da propaganda política em bases positivas. É considerado o patrono da mass midia. Em suma, a forma como essas comemorações da UFAM vem sendo realizadas representa – segundo Popper – um desvio moral da honestidade intelectual que é o apanágio sublime de toda a atividade acadêmica.
Convenhamos, enfim. Os memorialistas e saudosistas da lendária “Escola Uiversitária Livre de Manaus” aceitariam como seu o fardo integral que compõe o arquivo morto da UFAM? Afinal, os memorialistas da EULM a tem na conta de epopéia. Toda lenda não é fruto de uma romanticização literária?
A história da UFAM não. Ela tem um nascimento geograficamente e temporalmente definido. Ela foi criada em 1969. Como pessoa jurídica de direito público em regime de fundação. A querida e amada Universidade do Amazonas-UA - nome fantasia para os fins acadêmicos e educacionais para que fora criada – era para a esfera jurídica e legal denominada Fundação Universidade do Amazonas – FUA.
Somente nos últimos anos ela teve o seu Estatuto e Regimento Geral alterados. Foi no Governo FHC que ela foi transformada em autarquia. Para complemento de sua gestão e gerenciamento financeiro, foi criada adicionalmente a UNISOL.
Nada é mais imperioso, portanto, em termos de informação e comunicação sociais do que o cumprimento do preceito estético da simplicidade e a obediência ao princípio da clareza. Claudicar dessas diretrizes, sobremodo, no mundo acadêmico em que elas são ensinadas como normas imperativas de produção de conhecimento e saber e sua comunicação constitui um flagrante delito acadêmico contra a própria instituição. Porque é nela, ao fim e ao cabo, que se ensinam estes princípios e
conceitos. Porque é nela que se cobra a aplicação de normas, regras e critérios intelectuais. Não é, pois, lícito ensinar e divulgar valores que não se pratica.
A UFAM que nós queremos não deve ficcionar a história dos fatos. Ao contrário, ela quer ser uma porta voz honesta intelectualmente e fiel ao ideário da informação e comunicação limpas e consistentes.
O elogio mais merecido pela UFAM consiste em respeitar a verdade. A verdade é para a UFAM que nós queremos um direito inalienável de todos e um imperativo categórico de busca de todos aqueles que compõem o seu ser.

O elogio que a UFAM mais merece consiste em descrever a quem interessar as suas realizações efetivas nesses cerca de quarenta anos de sua existência. Consiste ainda em se reportar aos eventos que antecederam no Cronos o seu advento. Cronos é, para os helenistas, tido como o deus do tempo. Aquele que mediante a nossa finitude existencial nos faz temer e tremer.
Nesse sentido, determinar os vínculos entre os eventos educacionais e culturais diversos e o surgimento da Universidade no Amazonas é uma demanda a ser cumprida historiograficamente. O melhor elogio da UFAM consiste, pois, em reafirmar o seu compromisso com a sua missão e com o seu futuro.
A UFAM que nós queremos é aquela que muito tem ainda a realizar. È aquela que, pra começar, não abre mão de estar atenta e vigilante de sua função de tutora de sua clientela-fim que são os alunos e de orientadora da sociedade em geral.
Para a UFAM que nós queremos os alunos representam definitivamente uma função-fim de sua existência. Os docentes e os técnicos e administrativos estão conscientes de que a grandeza profissional de suas atividades é proporcional à qualidade dos papéis que desempenham e da dedicação que prestam com o propósito de efetuar essa finalidade. Relaxar a atenção devida aos alunos é perder o foco principal de toda a ação universitária. È cegar em plena luz do dia.
Basta de louvação inócua. Reafirmem-se o ensino de qualidade. Incrementem-se a pluralidade e multiplicidade da pesquisa entre docentes e discentes e entre estes. Resgatem-se a função integral da extensão universitária e a humanização das relações comunitárias. Esta é, seguramente, a maneira mais adequada e louvável de se promover o elogio da UFAM. Porque esta é a UFAM que nós queremos.

2 comentários:

  1. Depois dessa apologia: "Incessante e desnecessária seria qualquer forma de interesse em descartar o esforço racional para compreender este texto em suas entrelinhas". Parabéns!

    E, Viva a Racionalidade Implacável que acompanha esta campanha: "A UFAM QUE NÓS QUEREMOS"
    Ass.: George Ecy Benjamin Ribeiro

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  2. Olá Luiz!
    Estou com uma dúvida pois minha professora de Direito Administrativo corrigiu-me em uma prova recente sobre Administração Indireta, onde eu selecionei que a UFAM é atualmente uma autarquia. Ao ler seu artigo constatei isto. Por favo, repassa pra mim as bases que comprovam tal informação? ficarei muito grato.

    Marcelo Venício
    marcelo_venicio@ig.com.br

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